Abra-se para novas experiências (#057)

Por Fabiana Vitorino

Hoje eu vou falar um pouquinho de porque eu cheguei na psicologia, o que me levou até lá. Nas próximas duas semanas vou contar um pouco dos percalços, dos desafios do caminho, da vontade que eu já tive de desistir da minha carreira e do caminho que eu fui fazendo para encontrar um novo sentido. E, na última semana, quero compartilhar com vocês a minha retomada após a maternidade, as mudanças de rumo, as mudanças de projeto e as novas perspectivas de agora pra frente.

Então, entenda, eu vou estar falando de mim para ser um gancho pra falar de você, para que você também possa olhar para a sua carreira, fazer conexões, perceber o que você vem construindo, qual caminho você vem trilhando, o que faz e o que não faz sentido, quais os novos passos que você quer e precisa dar.

Vou fazendo conexões com a psicologia, com essa ciência linda e maravilhosa, que muitas vezes não é utilizada de um jeito muito bonito, que não é percebida na sua grandiosidade, mas que quando nós, psicólogos, entendemos o seu poder, entendemos o nosso poder e colocamos isso em prol da vida, é muito transformador. E eu sou muito grata por poder ser testemunha de histórias, testemunha de transformação, testemunha de pessoas, de mudanças, de necessidades e desejos, de caminhos tortuosos, mas também de trilhas que encontram a luz, a solução.

É assim que eu enxergo a psicologia, é assim que eu enxergo as possibilidades que nós psicólogos temos diante do outro e diante do mundo, não importa onde a gente atenda, o que a gente faça, de que forma a gente contribua com o mundo. É uma profissão muito necessária e que ainda é um ‘serzinho’ em transformação. Nós ainda somos muito jovens e temos muito ainda o que descobrimos.

Para quem ainda não me conhece, eu sou a Fabiana Vitorino e, como eu disse, sou psicóloga apaixonada por essa ciência, e já tive ali os meus momentos de não querer muito ser lembrada como psicóloga, mas isso é assunto para outro episódio.

Bom, como eu disse, quero contar um pouquinho do porquê ou do para quê eu escolhi a profissão da psicologia. Eu sempre gostei de gente, sempre me interessei pelas histórias, sempre estive atenta a uma boa conversa, e desde pequena eu gostava de brincar, de inventar histórias, de estar com outras pessoas, às vezes gostava dos momentos sozinha também e, à medida em que eu fui crescendo, que eu fui pensando sobre essa ideia de ter uma profissão – teve várias que passaram pela minha cabeça –, mas eu me lembro da minha mãe como um pivô central nessa minha dinâmica de construção, de personalidade, de adolescente… Ela me mostrava muitos recursos da psicologia; era algo que ela sempre gostou, sempre estudou. Eu comecei a tentar entender o que estava por trás dessa palavra diferente, psicologia, e de que forma eu poderia realmente fazer aquilo dar certo na minha vida.

O fato é que eu escolhi, no vestibular, depois de algumas outras opções que eu descartei e, durante toda a minha graduação, eu estava ali deslumbrada. Eu passei em uma universidade federal aqui em Uberlândia, a UFU, então para mim já era um motivo de grande orgulho por ter conquistado esse lugar, mas que depois eu descobri que era só um primeiro lugar. Ele não era nem maior, nem melhor do que todas as outras coisas que eu ainda teria que viver para realmente me tornar uma boa profissional.

Então o que eu fiz ao longo da graduação e essa é uma dica que eu ofereço muito fortemente para todos os jovens que estão aí nesse caminho de escolha profissional, que é de desfrutar o caminho. Ou mesmo você que já tem uma faculdade, que está se reinventando, aproveite a jornada, porque para mim eu enxergava o final, onde eu seria uma psicóloga, mas eu estava o tempo todo curtindo o momento.

Cada aula, cada trabalho, até mesmos as coisas que não têm a ver diretamente com ser psicóloga, mas que era ir para a biblioteca e encontrar os amigos, ir para uma festa, ir para uma viagem, ir para um congresso, conversar, interagir, fazer relacionamento. Eu estava o tempo todo me conectando com as pessoas. Então eu gostava de pessoas dos períodos abaixo do meu, dos períodos acima do meu, pessoas de outros cursos, eu participava de eventos de outros cursos, de semana acadêmica de outros cursos, porque eu entendia – e olha que eu nem tinha essa percepção clara e consciente de tipo “nossa, isso é também ser psicóloga”. É porque de verdade eu me interessava por tudo o que aquela faculdade tinha pra me oferecer.

Então eu vivia andando pelos corredores e olhando aqueles quadros de aviso e percebendo se tinha alguma oportunidade ali para mim, e que eu também pudesse divulgar pra outras pessoas. Eu estava sempre muito aberta e isso me deu uma alegria muito grande ao longo de toda a faculdade, onde eu me percebi me transformando numa outra pessoa, eu fui descobrindo essa história de autoconhecimento, da importância de eu poder olhar para dentro, de eu olhar para a minha história, olhar para as minhas necessidades e também, a partir desse lugar de olhar para mim, também fui descobrindo como olhar para o outro.

Fui vivendo tal como a lagarta e a borboleta vários ciclos ao longo da graduação, ciclos onde eu gostava mais de uma área e depois desgostava, depois eu gostava mais de uma outra área, porque também é natural, acho que é um outro movimento importante, quando a gente vai para uma faculdade ou mesmo que se você não fez uma faculdade ou você vai para um curso, um curso técnico ou para algum ofício que você vai aprender, a gente precisa ir com a cabeça aberta, como se fosse uma xícara que precisa esvaziar. Se a gente vai com o conteúdo muito cheio, você não tem espaço para aprender, você não tem espaço para trocar.

Eu estava sempre muito aberta nas aulas, na conversa com os professores, depois quando eu fui ficando mais velha ali na faculdade, nos estágios, nos encontros em grupo para poder discutir um caso, mesmo nas sessões de atendimento ali com os clientes, eu fiz um estágio no hospital com os pacientes queimados, o que foi uma grande experiência para mim, com um professor que até hoje é uma grande referência, um grande mentor, professor Armando, que trabalha nessa área da hipnose, da hipnoterapia. 

Olha que bacana: eu consegui por em prática, muitas vezes, ver uma pessoa com muita dor, com uma sensação de incômodo na pele, porque a queimadura é isso, uma pele queimando, qualquer procedimento que vai ser feito você sente e aquilo te incomoda, mas não tem o que fazer, tem que cuidar, tem que passar o remédio, tem que fazer ali o curativo. A gente utilizava técnicas fantásticas, que ajudavam as pessoas a transformar sensação de dor e uma sensação de cor, de imagem, ela trabalhava a questão de meditação, de visualização e aí ela conseguir mudar o estado.

Eram fantásticas essas experiências. Eu não fui por esse caminho, eu não quis trabalhar em hospital. Até passou pela minha cabeça em algum momento, mas depois descobri que não era o que eu queria de verdade. Mas foi muito legal ter a experiência, porque é isso também: você não precisa ter experiência só diretamente ligado ao que você gosta e você acredita que vai aplicar, ou que você vai trabalhar de fato. Você precisa se abrir para o leque de oportunidades e foi o que eu fiz.

Então eu trabalhei também, fiz estágio na nossa clínica-escola, em abordagens que hoje eu nem trabalho, nem estudo, mas que eu sou muito grata porque eu aprendi muito que é a psicanálise com crianças autistas, com famílias de crianças autistas, fiz estágio na psicologia escolar, em escola, em creche, com professores, fiz projetos de desenvolvimento da graduação com professores fantásticos. Professor Emerson, que também é um grande referencial para mim até hoje, que me ajudou a entender a promoção de saúde, saúde pública, saúde coletiva, já que a gente não tinha matérias na época e eu não tinha noção de como funcionava o SUS, e apesar de não ter trabalhado nessa área específica, de ter ido direto para um atendimento clínico, um consultório particular, eu tinha uma dimensão diferente, eu tinha um entendimento diferente do sistema, da comunidade, da saúde, do grupo.

Esse foi um professor muito importante na minha trajetória, porque na matéria dele, que era sobre grupos também, que é o foco dele, eu tinha muito medo de me expor nas atividades em grupo, porque elas não têm tanto controle, e eu sempre tive a necessidade de controlar, de entender, de planejar tudo certinho. E apesar de ter amado a disciplina, foi um momento de muita vulnerabilidade, porque a gente tinha que aplicar a ideia do grupo entre nós e a gente vivenciava várias atividades juntos, enquanto turma.

Eu me descobri, mas eu também me expus muito e aquilo foi difícil, e eu terminei a matéria tendo a certeza de que eu nunca iria trabalhar com grupos na minha vida, porque aquilo era muito desafiador. E esse professor me falou: ”eu tenho certeza de que você vai gostar de grupos no futuro, porque você nasceu para isso, você é boa nisso. Então eu sinto que você vai por esse caminho…” Eu falava: “jamais, de jeito nenhum”, e isso é uma outra grande lição. Às vezes as pessoas enxergam coisas em nós que a gente ainda não consegue ver, mas eu tive a humildade de ouvir e de deixar aquilo dentro de mim, e de fato, anos mais tarde, hoje é a minha grande paixão.

Foi isso: a minha faculdade foi uma abertura pro desconhecido, foi uma descoberta de relacionamentos, de encontros e desencontros com pessoas, de muitas amizades, de muito estudo, mas o principal, de muita abertura, abertura para outras pessoas, abertura para relacionamentos. Participar do máximo de coisas que eu pudesse absorver as oportunidades, até ser motivo de chacota de alguns colegas, porque eu fazia até matéria em outros cursos, coisas que a priori possivelmente não tinha nada a ver com psicologia, mas que eu entendia que tinha a ver com ‘ser gente’.

O que eu te deixo como reflexão, como pergunta é assim: mesmo que você já tenha passado pela universidade ou mesmo que você está começando, ou que você está com vontade de fazer um novo curso, ou buscar um novo caminho, o quanto de abertura você tem hoje para as coisas que você quer viver? Para as novas experiências que chegam até você? Ou o quanto você já vai com a cabeça fechada, com o caminho todo traçado, com o planejamento pronto, achando que aquilo tem que ser daquele jeito e que você fecha as portas, quando na verdade você deveria abrir portas, janelas e, só lá no final, talvez, quem sabe, fechar? Porque, na verdade, hoje eu entendo que a gente tem que estar sempre aberto.

Espero que essa conversa te instigue a olhar para sua carreira, para a sua profissão, para o seu caminho profissional, para o que quer que você esteja vivendo hoje, e a gente continua esse papo. Um beijo grande! Até semana que vem.

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