Permita-se ser percebido (#054)

Por Fabiana Vitorino

A força de ser visto ou de ser vista. O que será que isso tem a ver com as nossas relações? De que maneira esse encontro entre eu e o outro pode beneficiar, quando eu me permito mostrar aquilo que está dentro de mim, aquilo que está lá no fundo da minha alma, ou às vezes até que está aparente, mas que de alguma maneira eu fico tentando disfarçar, porque não sei como vai chegar até o outro.

Hoje a nossa conversa começa pela força, pelo positivo, pelo transformador, quando você se permite mostrar quem você é, com tudo que você carrega.

Essa semana o tema dessa Conversa com Fabi é sobre a visibilidade e a invisibilidade nas relações. Para você que está aqui comigo, chega mais, se aproxime dessa conversa, aproveita esse papo e no final, se fizer sentido, compartilhe com quem você desejar. Ok?

Eu sou Fabiana Vitorino, sou psicóloga, mãe, consultora de carreira, sou escritora, tantas outras coisas que eu tenho descoberto na minha vida. Eu sou aquela que vivenciou ambos os lados da força, e fiz essa brincadeira lembrando um pouquinho de Star Wars (para quem conhece a história), mas porque eu acredito mesmo que nós sempre estamos em contato com os dois lados da força, o lado do medo, do negativo, daquilo que nos prende, daquilo que é a nossa sombra, mas também do lado do amor, da leveza, do positivo, daquilo que amplia as nossas possibilidades.

E a nossa conversa hoje vai ser um pouco dessa história de o quanto é bom quando você se permite ser visto, ser notado, ser apreciado pelo outro. Eu percebo, na vida, que parece que na nossa alma é como se tivéssemos essa necessidade de sermos vistos, de sermos percebidos, porque afinal quando o outro me olha, eu passo a existir, eu passo a ser reconhecido como uma pessoa. Então essa força do olhar do outro, de ser notado, é algo que vai constituindo a nossa história, as nossas relações, então a gente passa a ser olhado pelos nossos pais ou cuidadores, depois pela nossa família maior, pelos colegas de escola, depois, quando a gente vai crescendo, pelos outros relacionamentos na escola, no trabalho, e assim nós vamos ampliando o olhar do mundo sobre nós.

Mas a grande questão é que muitas vezes nós impedimos que o outro nos veja, e quando a gente faz esse movimento de não permitir que o outro nos veja, infelizmente deixamos de nos relacionar de forma verdadeira e honesta, e deixamos de contribuir também, porque quando você se mostra, você revela o que você tem. Uma vez eu li em um livro, muitos anos atrás, quando eu estava fazendo uma formação em análise transacional – que é uma das ferramentas que eu utilizo como psicóloga –, e o livro tinha o seguinte título: Por que tenho medo de lhe dizer quem sou?

Lá pelas tantas o autor do livro responde a pergunta da seguinte forma: "Eu tenho medo de lhe dizer quem sou, porque se eu lhe disser, você pode não gostar, e isso é tudo que eu tenho". Então eu entendi que às vezes a gente não revela o que temos em nós, porque não temos garantia do amor do outro, da aprovação, mas quem segue a vida desejando que o outro aprove, que o outro goste, que o outro diga que aquilo é bom, é a nossa criança interna, é aquela criancinha que um dia a gente foi e que se torna adulta, mas que continua tendo ali dentro também a criança. É ela que fica esperando essa resposta de aprovação. 

Mas a vida não tem essa garantia e é bonito quando você percebe que, ao se mostrar, você pode fazer com que aquela relação cresça, porque você também convida que o outro se mostre, e aí temos uma relação de intimidade, uma relação de verdade e de honestidade.

Tem um outro conceito que eu gosto muito, na análise transacional, que fala de como a gente vai estruturar o nosso tempo, e inclusive há um conceito que eu trabalho que diz que nós temos fome de estruturação do tempo, ou seja, o ser humano precisa decidir sobre o que vai fazer, desde a hora que nasce, até a hora que ele morre. É por isso que a gente estrutura o dia, a semana, por isso que a gente tem metas, agendas e planejamentos, porque é uma necessidade nossa, é uma fome e a gente precisa organizar isso, obviamente com equilíbrio, mas de fato é uma necessidade do ser humano.

E nós temos níveis de contato, de interação, de como a gente vai se mostrar. Partindo de um inicial, que seria o isolamento, onde eu não me mostro tanto, eu fico mais comigo, eu posso até estar em um monte de gente, mas às vezes eu não estou ali me mostrando, estou evitando que as pessoas vejam quem eu sou. Às vezes estou até me sentindo sozinho, mesmo perto de um monte de gente.

A gente vai gradando em outros níveis, eu não vou falar aqui exatamente de tudo, porque não é o assunto do episódio, mas se alguém quiser a gente pode conversar depois melhor sobre esse assunto. O fato é, voltando à nossa conversa: do isolamento vamos passando por outros níveis de interação, até chegar na intimidade, que é realmente o lugar de maior desejo da nossa alma, porque é onde eu sou totalmente desnudo, onde eu me mostro, aquilo que é bom, aquilo que é positivo, aquilo que é saudável, mas também aquilo que é difícil, aquilo que é torto, aquilo que é complicado, aquilo que causa às vezes o afastamento do outro.

No fundo todos nós queremos ir para esse lugar de intimidade, mas por não ter garantia, muitas vezes a gente fica nos outros níveis, do isolamento ou do passatempo, que é conversar parecendo que a gente está junto, mas na verdade a gente está falando de coisas aleatórias, desconectadas, mas a gente não se mostra.

E cada pessoa, nas suas relações, vai tecendo possibilidades de encontro ou desencontro, de ficar um pouco próximo ou não tão próximo. Quando eu falo da força, é justamente desse lugar da confiança, de descobrir que, mesmo que o outro não goste tanto assim, mesmo que eu possa sofrer algum tipo de rejeição, mesmo que o mundo não me aprove, ou mesmo que algumas pessoas não me aprovem e outras sim, é muito bom quando você pode se mostrar, é muito transformador, porque aí você pode viver a sua vida, você pode fazer aquilo que você realmente deseja.

Mas eu quero compartilhar com vocês algumas histórias, algumas momentos na minha própria trajetória, onde eu tinha tão forte esse medo de ser vista. Eu tinha tanto essa dificuldade de me expor, de me mostrar, porque eu não sabia o que ia acontecer, como seria, como o outro receberia, mas na verdade o meu discurso era: eu quero que as pessoas me notem, eu quero me relacionar, eu quero que o que eu faço apareça, que as pessoas me busquem, porque eu tinha isso no início da minha carreira também, e eu vivenciei várias cenas antes de me tornar psicóloga, desde a infância.

Então o meu discurso era: claro que eu quero ser vista, claro que eu quero que o meu trabalho aconteça, claro que eu quero que as pessoas cheguem, é claro que, quando eu faço algo, por exemplo, na internet, eu quero que as pessoas vejam, mas no fundo o meu movimento, o movimento da minha alma, era de não ser notada. Então eu me esforçava para fazer algo, mas jogava uma energia contrária, porque tinha muito medo de como aquilo seria recebido, e é tão forte isso que, de fato, é como se eu estivesse vestindo aquela capa do Harry Potter, da invisibilidade, e tudo que eu fazia ficava de fato esquecido ou não visto, e aí reforçava meu lugar de "está vendo, eu não sou importante, as pessoas não gostam de mim, o que eu faço não é legal, então eu vou seguir mesmo no meu cantinho aqui, esquecidinha, porque é melhor assim."

E olha que interessante, eu vou contar de alguns momentos que eu vivi. Teve cenas que eu me lembro, na escola, quando eu era criança, de querer muito ser notada pelo grupo, de ter um lugar de importância entre as amigas e muitas vezes até ser um lugar meio que de exclusão, de não ter tanto valor ali, então aquilo que doía e eu fui entendo que eu precisava ficar mais na minha. Quando eu já estava adulta, inclusive trabalhando, bem no início lá da carreira, eu fui convidada para dois programas diferentes, em dois momentos diferentes na televisão, e aquilo me causou ao mesmo tempo muita alegria, muita vontade de fazer, mas ao mesmo tempo um medo tremendo, desesperador, e o meu pensamento o tempo todo, enquanto eu ia me dirigir para a gravação, era "tomara que ninguém conhecido veja, tomara que ninguém conhecido veja, tomara que ninguém conhecido veja".

Eu fui lá, fiz o primeiro programa, que inclusive era sobre brinquedo na infância, no dia das crianças – enfim, na época eu trabalhava com criança –, e eu falei, foi um tema super legal, porque televisão é assim, você começa meio tensa, com medo, de repente aquilo desenrola, você fica super empolgado na conversa, você quer até ficae mais, mas você tem um tempo curto. E quando terminou eu queria muito ter acesso àquele conteúdo, eu queria ver como ficou e, de fato, eu não consegui ver na televisão, não tinha link na internet e eu nunca vi o resultado daquela entrevista.

No dia eu estava sendo entrevistada por uma outra pessoa, que disse que tinha gravado, mas ela nunca chegou a me mandar esse material. Enfim, aquilo ficou na invisibilidade. Em outro momento, eu fui chamada para outro programa que eu achava super bacana, também para falar de um curso que eu faria na época, e eu fui com a minha parceira na época de trabalho – que a gente estava propondo juntas –, e eu também com aquele medo desesperador, de ser visto, de ser notado, de alguém olhar, de não gostar e de não ser bom, da gente falar de uma forma não legal… De novo, era um programa que praticamente tudo que passava ia ao vivo, ou então depois eles mandavam o link pela internet, justamente o nosso, na nossa entrevista não aconteceu nem uma coisa, nem outra. Para a gente ver, nós tivemos que pagar um DVD para ter acesso.

Só que aquilo era inconsciente, até então eu não percebia que eu fazia um movimento contrário daquilo que eu contava que eu queria, que era ser vista, ser notada, ser uma psicóloga reconhecida etc. 

E eu tive outros momentos também, na adolescência e um pouco na idade adulta, que era de me sentir feia, não gostava, não achava que eu era bonita, não achava que eu era interessante, não achava que eu era tão inteligente, e aí eu me conectava justamente com outras amigas, eu tinha nos meus grupos de amigas sempre aquela que era super mega inteligente, tudo que ela falava, todo mundo "ohhh", ou então uma amiga super bonitona, gostosona, aquela bem chamativa, que quando ela chegava, todos os olhares iam pra ela e você passa ali quase igual a parede.

Era interessante porque me lembra muito aqueles filmes americanos, que sempre tem aquela amiga bonitona, a mais interessante do grupo, mas ela precisa de umas feinhas ali, estranha, para ficar junto, meio que para encher o ego dela, a bola etc. Então, é uma brincadeira meio ruim, meio pesadinha, mas era um pouco disso que eu vivia. Eu me colocava no lugar da vítima, achava que a vida estava fazendo aquilo comigo: as pessoas não me veem, as pessoas não se importam comigo, eu chego e ninguém me olha. Ou, num outro momento, quando eu estava numa aula de uma formação que eu fiz da Constelação Familiar, e eu já tinha percebido esse movimento em mim, já vinha transformando, já vinha curando, mas eu ainda tinha alguns indícios, e eu estava numa aula, todo mundo ali participando e eu queria fazer um comentário, e aí abri a boca várias vezes para falar e alguém falava na minha frente, passava por cima da minha fala e falava.

Isso foi várias vezes, eu tentei colocar uma questão, e aquilo não acontecia. E aí o que eu fiz? Eu fiz um movimento, eu levantei a minha mão e fiquei segurando por um bom tempo e ninguém notou. Eu fiquei um bom tempo para falar e não acontecia nada. E aquilo foi me dando um desconforto. Eu abaixei a mão, e uma amiga minha, do lado, tomou aquilo também para ela, ficou incomodada com o que estava acontecendo e ela falou em meu lugar. E ela contou: "olha aqui, estou incomodada, porque a Fabiana está aqui com a mão levantada e ninguém está vendo…", e isso virou uma grande questão, virou um movimento da turma, porque também ali cada um, de alguma forma, tem dentro de si uma parte da alma que se sente não vista, não percebida, e aí fizemos um grande exercício bonito, onde eu passei na frente de cada colega e essa pessoa me dizia: "eu te vejo", e aquilo foi reverberando dentro de mim.

O que eu fui entendendo com as constelações, que é uma grande ferramenta de cura, de potência, é que às vezes “eu, pessoa”, no meu caso, “eu, Fabiana”, não fui vista na minha própria história em algum momento, por exemplo, por alguém que era importante, por n motivos, porque as pessoas que convivem conosco, seja elas quais forem, são pessoas como nós, imperfeitas com as suas questões, todo mundo querendo dar o seu melhor e, em algum momento, eu posso ter sentido aquilo como não ser vista, uma professora, ou os meus pais em algum momento, ou às vezes um irmão, nós éramos muitos, enfim… E aquilo ficou como uma ferida.

Mas muitas vezes também aquilo nem seja uma dor só minha, Fabiana, mas às vezes é uma dor do meu sistema, às vezes é uma história de alguém que, na minha família, em algum momento, não foi visto, e aquilo estava criando uma ressonância comigo, eu estava revivendo aquela dor, e isso é o que a constelação nos ajuda a perceber. O que a gente está vivendo hoje pode ter a ver com a nossa própria história ou pode ter a ver com a história de outra pessoa, e na constelação a gente pode reconhecer isso, dar um lugar para essa história, esse sentimento, esse movimento que está acontecendo, e encontrar uma boa solução.

E foi o que eu fui fazendo, fui descobrindo um jeito de cuidar desse medo de ser vista, que no fundo, no meu caso, vou trazer um pouquinho aqui, vou antecipar, era o medo de ser criticada, de ser julgada, de não ser amada, enfim… Eu imagino que quem esteja me ouvindo pode, de alguma forma, se identificar com algo que eu estou trazendo. Mas o mais legal, o mais bonito, e acho que um grande recurso que eu posso oferecer aqui agora: eu me permiti, num dado momento da minha vida, através das terapias, do autoconhecimento, de várias coisas que eu fui vivenciando, sair desse lugar, porque por mais que eu me protegesse e era seguro ficar nesse lugar da invisibilidade – apesar de eu falar que eu queria ser vista, mas no fundo eu tinha medo –, então era um lugar de proteção, porque no fundo eu falava assim: "graças a Deus que eu estava lá na TV e ninguém assistiu”, “ai, graças a Deus que ninguém veio na palestra".

Por exemplo, eu fui na palestra e não foi tanta gente como se esperava, ou então entre amigos, alguém não me viu ou não ouviu o que eu comentei. No fundo eu ficava aliviada, porque aí eu não precisava confrontar com o sentimento de alguém poder não gostar, poder me questionar, poder deixar de ser meu amigo.

Esse é um lado da história, mas o outro lado que eu passei a descobrir é que, cada vez que eu não me posiciono, cada vez que eu não coloco meu sentimento, cada vez que eu não deixo realmente que as pessoas me vejam ou vejam o meu trabalho, ou vejam o que eu tenho a colocar pro mundo, menos eu contribuo. E aí, assim, para quê? Para que então existir, relacionar, se o que eu faço não pode ter peso e importância por onde eu passo?

Então eu comecei a me curar, eu comecei a me permitir, mesmo sob o risco que eu poderia viver ali, em qualquer relação. E sim, eu sofri riscos, teve relações que deixaram de acontecer, teve pessoas que realmente passaram a não aprovar tanto assim as minhas coisas, mas eu também fui vendo o tanto de outras pessoas que foram me dando retorno positivo sobre aquilo que eu fazia, que eu falava e do simples fato de eu me colocar em alguma coisa. Então eu decidi olhar para quem realmente tinha uma conexão com aquilo que eu fazia. 

Eu tenho levado isso como uma grande força, tanto na minha vida pessoal, também como na minha vida profissional. E você já sabe que a maternidade é um lugar de muito recurso para mim, estou aqui ouvindo o barulho da minha filha e pensando nisso: ser mãe tem me dado uma grande permissão para ser eu, para me mostrar, para que eu possa realmente entrar de forma honesta nas relações, e fazer o que eu quero fazer, mostrar o que eu quero mostrar, mesmo com todos os riscos e consequências que isso possa gerar.

Então, o convite que eu faço para você é esse: olha um pouco para a sua história, perceba em que momento você não se permitiu ser vista e como você pode se beneficiar dessa força, o quanto ela é transformadora e o quanto você também ajuda outras pessoas a fazer esse movimento quando você dá o primeiro passo.

Eu espero que essa conversa te transforme, te auxilie, te inspire.

Um  grande abraço para você, tenha uma ótima semana. Tchau, tchau!

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