Ser humano, ser profissional

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Não sei como ele chegou... ou em que momento se tornou mais forte esse sentimento em mim, mas me lembro de várias vezes durante minha faculdade querer me mostrar mais, na maneira de emitir minhas ideias e opiniões, na hora de compartilhar uma questão pessoal com outros colegas e supervisor (e parecer a única a fazer isso), ao não querer definir área de atuação ou abordagem, por acreditar que poderia carregar um olhar holístico sobre a vida e as pessoas...

Também no momento de escrever um trabalho sobre um tema humano e profundo eu me colocava ali, como parte do processo, e inúmeras vezes era criticada por ter uma escrita ‘pouco acadêmica’, por não topar simplesmente ficar ‘referenciando tantos ‘outros’, ou por colocar afeto e sentimento no meu texto. Eu me sentia deslocada, fora do lugar, sem saber como ser psicóloga, alguém que precisa ser sempre científica e jamais demonstrar VULNERABILIDADE.

Não sei como foi a sua formação, não sei se você se sentiu desconectado em alguns momentos e precisou desconsiderar a sua essência, a sua história, as suas vulnerabilidades, para se tornar um excelente profissional de saúde, de cuidados, ou algo semelhante.

Sei que ao longo dos anos fui me questionando cada vez mais. “Onde está a Fabiana?”

Ao querer mudar de rota, fazer diferente, com dúvidas, angústias, medos na travessia, uma vozinha aqui dentro me dizia: “Você não pode se revelar dessa forma. Vai parecer fraca, sem profissionalismo, alguém que não está em condições de ajudar”. E eu me calava, seguia em frente, com ares de competência, sem problemas aparentes e cheia de suposto saber para ajudar o outro.

Quanta tolice!

Hoje (e já há algum tempo) tenho me colocado mais em cena, mostrado mais quem eu sou, meus desafios internos, e sei que isso não me diminui diante daquele que precisa da minha ajuda. Na verdade, acredito que isso nos aproxima, nos mantém mais conectados, porque sou mais humana, estou em processo também e, claro, sei da importância de me cuidar, também buscar ajuda e reconhecer os meus limites.

Mas nem sempre foi assim, pois percebi na minha caminhada que muitas vezes o que me impedia de ser mais EU, era o medo da crítica (dos meus professores, dos meus colegas de profissão, dos meus amigos e até dos clientes). O que iriam pensar?

Não estou dizendo aqui que quando alguém me procura vou também contar de tudo que se passa dentro de mim. Ao contrário, vou ser humana, imperfeita e dentro dos meus recursos estarei disponível.

Através das minhas redes sociais uso a minha voz, a minha história, os meus processos, assim como o meu conhecimento, as minhas experiências clínicas e profissionais em geral para ser um instrumento de cura, de transformação, de ajuda, de incentivo ao autoconhecimento, à mudança positiva.

Nessa travessia de me conhecer e me mostrar mais INTEIRA, também tive a oportunidade de ajudar outras pessoas (médicos, enfermeiros, demais profissionais de saúde e cuidados), que passaram por processos parecidos em suas formações, sendo-se exigido perfeição, como se fosse possível, não se tendo o direito ao erro, à dúvida, aos sentimentos. E sempre que me deparo com isso, percebo o quão desumano e cruel é o nosso tradicional processo de formação e o quanto eles mais geram pressão e adoecimento do que acolhimento e força para crescer e se superar.

Com isso, não estou dizendo que não sejamos responsáveis pelo nosso conhecimento e pela nossa atuação, que não precisemos sempre nos atualizar, aprimorar nossa performance, nos transformar como pessoas, e assumir e cuidar de nossas sombras e terrenos áridos dentro da nossa alma, mas que também, temos nossa humanidade, nossa vulnerabilidade e nossa pequenez, diante dos mistérios da vida e da arte de ajudar um outro ser humano.

Hoje me encaro com menos cobrança e me reservo o direito de aprender fazendo e de não ter que saber tudo e ainda, sim, ser muito boa e competente em muitas coisas. E você que se conectou a esta questão: como tem olhado e vivenciado a sua humanidade?

Por Fabiana Vitorino*

*Psicóloga, consteladora familiar sistêmica, consultora e mentora de carreira.


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