Tempo digital e tempo presencial

Temos vivido num ritmo de tempo diferente e vale a pena um olhar sobre tudo isso.

Vivemos na era digital, o que, na verdade, sob muitos aspectos, é uma revolução. Ter acesso a uma infinidade de informações, acessar e aprender sobre o assunto que quisermos, encontrar com outras pessoas sem nos locomovermos, esses são alguns dos muitos ganhos do que a realidade tecnológica veio nos proporcionar.

Mas você já se perguntou quanto tempo tem investido de sua vida à frente das telas digitais?

O tempo digital é diferente do tempo real, e por real quero dizer o nosso ritmo para realizar nossas atividades, o fazer nosso de cada dia. Este tempo, que é de fato mais lento, é o tempo que verdadeiramente nos constitui, nos faz ser quem somos e como nos apresentamos para a vida, lembrando que nos constituímos e somos a consequência das experiências que vivemos e interiorizamos! 

Observo em meu consultório, na escuta com meus pacientes, o quanto o acesso desmedido nas ferramentas digitais pode nos trazer angústias. Há um descompasso entre o tempo para realizarmos nossas atividades, como por exemplo tomar um banho, apreciando o perfume de um sabonete, olhar pela janela e admirar uma árvore florida, e o de vermos uma imagem da natureza pelo Instagram, nesse caso, não vivenciando realmente o que estamos enxergando. 

O banho cheiroso desse tempo real mais longo é o que nos marca, é o que nos traz as experiências e a memória das sensações. Este apenas ver e não sentir nos tira dessa vivência, nos coloca na superficialidade dos sentimentos, o que com o tempo nos traz um enorme vazio, evidenciando o quanto o prazer virtual é efêmero e não nos impacta como numa experiência real. 

Se pararmos para pensar, no mundo digital, tudo parece belo, mas muitas vezes baseado em fantasias e nem sempre atingível. O melhor mesmo de nossas vidas está na possibilidade de contornarmos todos os desafios que nos aparecem e vencermos a nós mesmos a cada dia.

Sabemos que o mundo digital veio para ficar e isso é muito bom, desde que saibamos que a riqueza de nossas vidas está no tempo que levamos para realizar nossas atividades, nossas experiências vividas, sentidas, e por isso introjetadas para o mais íntimo de nós. 

A foto permanece, mas a emoção de ter vivido o tempo que levamos para chegar lá, de ver aquela paisagem ou saborear uma comida maravilhosa é o que nos marca, é o que nos constitui como pessoas cheias de riquezas e possibilidades.

Nas entrelinhas do tempo habita nosso verdadeiro eu, o eu do tempo real, com tudo de bom que ele também oferece.

Vale a foto do bolo? Vale! Mas a preciosidade esteve no ato de prepará-lo, na explosão de sabores que você sentiu, nesse sentir vital e único do mundo real. Um prazer que nos tira de vivermos anestesiados com o que não vem de dentro e, portanto, sem a possibilidade de nos deixar a indelével marca de uma boa experiência. 

Por Veridiana Mantovani

Psicanalista 

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