Produtividade tóxica

Tenho percebido o valor exacerbado que se tem dado a pessoas que trabalham continuamente, fora do limite físico, mental e emocional, ou mesmo às demais atividades no seu dia a dia.

Estamos vivendo a cultura dos excessos: excesso de trabalho, de informação, de entretenimento, de vícios, excesso de telas... E a lista não para por aí.

Olho em volta e vejo muita gente exausta: mães, pais, filhos, chefes, empregados, e o pior, muitos com o discurso de que é assim mesmo que tem de ser. Como se não tivesse remédio ou antídoto contra essa vida, que mais parece uma maratona sem-fim.

Claro que podemos viver fases, e às vezes é necessário correr mesmo uma maratona, ou até uma competição de triatlo diário, mas fazer disso rotina pode ter um efeito devastador na sua qualidade de vida.

Que mal há em poder viver o dia no ritmo de ‘caminhadas leves’ ou no mínimo de vez em quando? Permitir-se as pausas, eis o desafio da nossa vida moderna.

Para mim, é um exercício de presença, de prestar mais atenção, ao meu ritmo, às necessidades do meu dia a dia, do meu entorno, às tarefas, às obrigações, às cobranças do mundo adulto, intermináveis, eu sei, mas para seguirmos vivendo com disposição, alegria (ou pitadas de bom humor), força (a tal da resiliência), é urgente aprendermos a parar.

Percebo em mim e na minha família de origem essa exigência ainda mais evidente, traduzida num jeito de ser ‘sempre corrido’, sempre apressado, com mil coisas para fazer todos os dias. Como se para responder à famosa pergunta: “como está a sua vida?” só valesse o jargão: “tô numa correria...” E se, ao contrário, eu respondesse: “tranquila, a semana foi leve, tô bem?” Será que eu receberia olhares do tipo: “que espécie de E.T. é você?”

Depois que me tornei mãe, entendi que não dou conta mais desse jeito de viver apressado, sem tempo para o essencial, sem poder parar, curtir o tempo livre.

Já foi suficiente correr tanto, hoje, não dá mais. Isso não quer dizer ócio eterno, não fazer nada o tempo todo. Porque, sim, eu trabalho, cuido da minha filha, sou casada, gerencio minha casa, convivo com os meus... Mas também defendo o direito ao descanso, ao uso do tempo livre com sabedoria (com menos telas, barulho e wifi).

Estou aprendendo a construir isso – porque a vida é aprendizado e amadurecimento – , defendendo o meu tempo livre, o de não fazer nada, o não ter que ser produtiva, o não ter que ler, não ter que estudar, ou mexer no celular. Estou aprendendo o simples estar, o respirar, o apreciar, o ficar na cadeira do clube ou da praça, descansar a cabeça, esvaziar a mente, conectar com o coração. Um luxo na vida moderna, necessário, e nem sempre com glamour.

O próximo passo é poder fazer isso sem culpa, porque se de um lado existe a cultura da produtividade, do outro pode existir a culpa pelo tempo ‘não aproveitado’, por poder se desfrutar, diante de um mundo com cenários tão conflitantes e desafiadores.

Sim, é um privilégio viver isso na prática, coisa que nem todo mundo pode ter. Mas, se você, assim como eu, pode, eu te digo: tá tudo bem você se dar pausas, desacelerar, desconectar. Desfrute! Por você, pelo bem da sua saúde mental, emocional, física, pelo bem dos seus relacionamentos, pelo bem do seu trabalho.

Bora começar esse movimento juntos?

Fabiana Vitorino*

*Psicóloga, mãe, consteladora familiar sistêmica e mentora de carreira.



Correio.news