As questões pessoais no contexto profissional

Não é sobre ter de ser perfeito e pleno o tempo todo, mas sobre poder ser humano, vulnerável e emocional

Vez ou outra, chegam para mim nas sessões de terapia pessoas que se queixam de seus trabalhos pelos mais variados motivos. Alguns que já vivi na pele. De qualquer forma, sinto junto e ajudo a trilharem o caminho com mais leveza e assertividade.

A história de viver uma pandemia nos deixou, cada um a sua maneira, de ‘cabelos em pé’, com emoções à flor da pele, com comportamentos ansiosos, com uma infinidade de reações que passamos a ter para lidar com todos os acontecimentos. Na esfera do trabalho, isso não foi diferente.

Hoje, o foco pode até ser ainda a pandemia, mas a verdade é que sempre haverá desafios que exigirão de nós um olhar para esses dois universos: o pessoal e o profissional. E arrisco até a dizer que eles não estão separados, pois somos a mesma pessoa que habita nesses dois mundos. Para darmos, porém, conta das demandas de cada um desses espaços, é necessário estabelecer alguns limites para a organização interna e externa para podermos viver bem cada um deles. E viver bem não quer dizer viver com perfeição.

Percebo de uma forma mais evidente um adoecimento das pessoas e o quanto se faz necessário atualmente que as empresas e os locais de trabalho proporcionem espaços para os que possam se relacionar, produzir, existir por completo.

Quando você não está bem consigo mesmo, ou em algum relacionamento, você carrega isso para onde vai. Não dá para deixar de fora os sentimentos, só porque se passou pela catraca ou mostrou-se o crachá. O exercício aqui, então, é pensar como podemos continuar trabalhando, mesmo nos dias em que não estamos bem.

Como me concentrar na entrega, nas reuniões, quando algo dentro de mim não está ok? E mais, qual o ponto-chave para eu perceber que, apesar de não estar bem ou estar enfrentando algum problema pessoal, posso continuar produzindo, mas de um jeito diferente? E se não for possível continuar (ao menos por um tempo) por cumprimento de férias, atestado ou afastamento maior?

Aprendi recentemente que uma boa prática coletiva, antes de começar qualquer tarefa no trabalho com seus pares, subordinados ou superiores, é poder fazer o check list emocional” do grupo, não para cuidar, tratar ou encontrar soluções para as questões emocionais das pessoas envolvidas, como em uma terapia, mas para oferecer uma oportunidade para que cada um possa expressar como está se sentindo, e poder revelar um pouco suas vulnerabilidade. Isso já alivia e alinha a energia e a real disposição do grupo, traduzindo-se como um pedido implícito por compreensão ou até por compaixão, numa verdade compartilhada por gente como a gente, abdicando-se da ideia distorcida de que somos “máquinas”, “megaprodutivos 100% do tempo”. Às vezes, estamos bem; outras, nem tanto. E isso inclui TODOS, sem exceção.

Outro recurso é poder escolher um objeto na sua sala de trabalho e ele se tornar o seu representante, mesmo na esfera pessoal. Eu, por exemplo, na maioria dos atendimentos, antes de chamar o cliente, defino um objeto para ser a Fabiana mãe, esposa, ou alguma outra questão minha que esteja trabalhando e que esteja sendo mais desafiadora no momento. Coloco a intenção de que o objeto fique ali, perto de mim, num local onde eu possa vê-lo, mas que não me tira o foco do meu cliente naquele momento, em que eu sou a Fabiana terapeuta, psicóloga, que pode atuar com mais leveza, sem precisar excluir parte alguma. Dessa forma, eu reconheço e dou um lugar para minhas outras partes sem perder de vista a que precisa estar mais atuante.

Acredito que, ao compartilhar essa experiência, ela também possa valer para todas as áreas da sua vida, incluindo seus relacionamentos. Para isso o primeiro convite é parar e se observar, perceber como você tem estado emocionalmente. Aliás, como você está agora, no seu trabalho, na sua casa, com você mesmo? Há algo que chama a sua atenção? Há algo que você possa fazer?

Pense nisso!

Fabiana Vitorino

Correio.news