As lições do Pequeno Príncipe

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A história de Antoine de Saint-Exupéry, O pequeno príncipe, um dos grandes clássicos da literatura infantil, é bem conhecida. Um piloto, após uma pane no motor de seu avião, durante a tentativa solitária de conserto em pleno deserto do Saara, encontra um estranho principezinho que o faz refletir sobre as coisas importantes da vida.

O piloto conhecera a frustração já na infância. Ao ler, aos seis anos, que jiboias engoliam uma fera sem mastigar e depois dormiam por seis meses, resolveu desenhar a cena. Para seu espanto, ninguém identificava na sua imagem uma jiboia digerindo um elefante. Para todos, seu desenho era de um chapéu. Resolveu então fazer uma jiboia transparente, mas nem assim foi compreendido, sendo aconselhado pelas ‘pessoas grandes a deixar de lado os desenhos de jiboias e dedicar-se à geografia, história, cálculo, gramática.

“Foi assim que abandonei aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor. Eu fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho. As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo para as crianças estar toda hora explicando. Tive de escolher uma outra profissão e aprendi a pilotar aviões”, conta o piloto ao narrar a história, confessando ter tido assim contato com ‘muita gente séria’. Ainda tentava mostrar seu desenho, mas sempre diante da mesma resposta, de que aquilo era um chapéu, preferia falar-lhes de bridge, golfe, política e gravatas. “E as pessoas grandes ficavam encantadas de conhecerem um homem tão razoável”, observa.

Por fim, um dia o piloto se depara com o pequeno príncipe, que lhe pede para desenhar um carneiro. Nenhum estava bom, até que ele lhe desenha uma caixa, dizendo que o carneiro estava ali dentro. Pronto! O menino fica feliz, e logo vem a primeira grande lição: “Era assim mesmo que eu queria! E ainda pergunta: “Será que ele come muito capim, por que é muito pequeno onde eu moro?”. No instante seguinte, dispara: “Olha, ele adormeceu!”.

As intermináveis perguntas do menino sobre as coisas mais simples continuam, e o fazem o piloto pensar sobre outras realidades, muito além das que que se pode tocar. 

Ele queria saber, por exemplo, algo muito importante: para que serviam os espinhos. E transformava com suas observações o que parecia ser sério em banal e vice-versa. “Tu confundes todas coisas, misturas tudo”, irritava-se o principezinho. “Eu conheço um planeta, onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete ‘Eu sou um homem sério!’ e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo!”, observava.

 E assim, na obra, o garoto vai contando ao piloto todas as viagens que fez para outros planetas, onde interrogou reis, vaidosos, beberrões, homens de negócio, geógrafos, vendedores.

É muito interessante perceber nas histórias das suas andanças como o ser humano se afasta das coisas simples e se complica por não observar seus sentimentos, seus pensamentos, suas emoções. E o segredo que o príncipe quer passar ao piloto, embora possa parecer ingênuo e romântico, serve para todos: “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos”.

Também na vida em sociedade, onde somos engolidos todos os dias por ansiedades e expectativas, é preciso perceber que o importante nem sempre se vê. É preciso valorizar o que é permanente. A simples percepção de que o sofrimento e também a alegria são transitórios muda o nosso estado de humor, abrindo horizontes novos, outras perspectivas.

Quantas vezes nos entristecemos por coisas banais e não percebemos a alegria que podem despertar as situações mais corriqueiras, desde a simples possibilidade diária de tomar um bom banho e deitar-se para dormir, até o sorriso de uma criança, o brilho do sol, o frescor da chuva. Respirar fundo e sentir a vida pulsar.

É que estamos em constante alerta, com o pensamento acelerado, antecipando o futuro, sem nos preocuparmos em melhorar o presente, adoecendo por não observarmos as imensas possibilidades que estão em nós.

Sem perceber, na correria, vamos destruindo a nossa saúde emocional, observando cada vez menos e comprometendo-nos cada vez mais, desperdiçando esses anos de existência, tão breves. 

A sociedade está doente com tantos quereres, mergulhada na ilusão do consumo, da rapidez, do estresse, esquecendo-se do prazer de viver.

É preciso criar o hábito de silenciar, observar-se, ser feliz — com muito ou pouco. O segredo do principezinho é um grito de alerta para todos nós, um convite para que possamos reaprender a ser felizes, direcionando o olhar para o simples e essencial, cuidar de nós e resgatar a verdadeira qualidade de vida, que nos traga a tranquilidade, a segurança, a paz.

Eliana Haddad

Correio.news